A forma como a mulher negra é vista é um ponto central para explicar os dados. Pesquisadoras negras mostram que os estereótipos construídos ao longo de séculos têm influência na construção das identidades e vulnerabilizam a mulher negra, ao “autorizar” violações contra elas. É o que a socióloga e autora norte-americana feminista Patricia Hills Collins chama de “imagens de controle”: ideias que são aplicadas às mulheres negras e que permitem que outras pessoas as tratem de determinada maneira.
Dessa forma, quatro estereótipos racistas se destacam: o da mãe preta, que é a matriarca ou subserviente; o da negra de sexualidade exacerbada que provoca a atenção masculina; o da mulher dependente da assistência social; e o da negra raivosa, produtora da violência, não a receptora. Essa ideias vão, inclusive, na contramão de mitos que normalmente foram construídos em torno da imagem da mulher branca, como o da fragilidade feminina, da exigência de castidade, da divisão sexual do trabalho em que o homem é o provedor e a mulher é a cuidadora.
Ao estudar as condições de vida das mulheres negras no Brasil, a doutora em demografia pela Unicamp (Universidade de Campinas) Jackeline Ferreira Romio identificou como a raça traz particularidades na vivência da violência doméstica. “Numa categoria de mulher universal [associada à mulher branca], surgiram tópicos em torno da violência doméstica dentro da conjugalidade, como brigas de casal, ciúmes e separação. Mas no caso das mulheres negras há variação de cenários”, conta a pesquisadora.
“Elas não eram agredidas só em seu lar, mas também na rua e na casa de terceiros. Isso demonstra uma grande quantidade de violações vindas de companheiros e ex-companheiros, mas também de outros atores como vizinhos, indivíduos das relações de trabalho e um grande número de desconhecidos”, explica.
Em sua pesquisa, Jackeline viu que a análise dos alarmantes índices de feminicídio e violência doméstica entre mulheres negras se torna mais relevante quando abordada como uma questão que não é só de gênero, só de raça ou só de classe, mas de todas elas juntas. É o que se chama de princípio da interseccionalidade.
Central dentro do feminismo negro, o conceito traduz a “forma pela qual o racismo, o patriarcalismo, a opressão de classe e outros sistemas discriminatórios criam desigualdades básicas que estruturam as posições relativas de mulheres, raças, etnias, classes e outras”, como define a professora norte-americana de direitos civis e estudos raciais Kimberlé Crenshaw.
A análise interseccional aponta também que as demandas do feminismo negro dialogam com movimentos sociais de luta por moradia e acesso à terra, cada vez mais criminalizados, e questiona as políticas públicas de reparação das consequências da escravidão. Para sair da situação de violência, muitas vezes mulheres negras precisam se inserir em programas de auxílio-aluguel, de capacitação profissional, redistribuição de renda, acesso a abrigos dignos e creches para os filhos. –
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