Conferência de Lambeth – Entrevista com a bispa Marinez Bassotto

A cada dez anos, desde 1867, a Conferência de Lambeth se reúne para debater temas importantes à Comunhão Anglicana. O objetivo é fornecer recursos, inspirar e encorajar os bispos e bispas nos seus ministérios locais, de modo a oferecer apoio às suas funções pastorais e de liderança na vida e missão da Igreja. Em 2022, a Conferência chega à sua 15ª edição, e a Igreja Episcopal Anglicana do Brasil (IEAB) estará representada. Uma dessas representações será a da bispa Marinez Bassotto, estreante na Conferência.
Para falar sobre isso, conversamos com ela sobre quais expectativas carrega, e como pretende compartilhar sua experiência de “ser igreja” com os demais participantes da Conferência. A entrevista, na íntegra, você confere a seguir:
IEAB – Bispa Marinez, você participa, pela primeira vez, das conversas que antecedem a Conferência de Lambeth. Quais são as suas expectativas para essas rodas de diálogo e como pretende contribuir?
Bispa Marinez – Em 2022 participarei da minha primeira Conferência de Lambeth. A pandemia de Covid-19 impossibilitou a realização deste grande evento no ano passado, como estava planejado. A pandemia de Covid-19 engolfou as nossas vidas nestes 18 meses, trouxe muita dor, sofrimentos e lutos, desnudou nossas mazelas, aprofundou nossas desigualdades sociais, mas também trouxe oportunidades de aprendizado. As conversas Pré-Conferência de Lambeth são exemplos disso. Reuniões e Conferências em formato online eram impensáveis antes de termos de nos adaptar ao distanciamento social.
Em um período bastante curto, aprendemos a lidar com as redes sociais e com plataformas de stream, e para manter nossas atividades, passamos a realizar conferências, seminários de formação, rodas de conversa e até mesmo Celebrações online.
Meu grupo é composto por alguns bispos e bispas de várias Províncias da África, e também da América do Sul, América Central, Brasil, Canadá, Estados Unidos, Escócia, Inglaterra, Irlanda, Jerusalém e Oriente Médio. Algumas destas pessoas eu já havia tido a oportunidade de encontrar pessoalmente, outras não. O primeiro encontro foi muito bom e tivemos a oportunidade de partilhar um pouco de nossas realidades locais, nossos desafios, nossas dificuldades e alegrias, especialmente neste tempo tão desafiador que estamos enfrentando.
Minha expectativa é que esse espaço de convívio, mesmo que virtual, seja um espaço para tomar ainda mais consciência da nossa diversidade, da beleza de nossa diversidade, e também fortalecer nosso senso de unidade. Creio que cada bispa e bispo que aceitou fazer parte deste processo contribuirá trazendo suas perspectivas e sua forma de viver a Igreja em sua realidade específica. Eu pretendo contribuir levando um pouco da realidade e dos desafios de ser Igreja na Amazônia.
IEAB – Vivemos tempos não tão fáceis – para não dizer que são extremamente caóticos. Experimentamos uma série de divisões mesmo dentro de nossas pequenas comunidades de fé. Na sua opinião, de que modo a Conferência de Lambeth pode “jogar luz” nesses contextos desafiadores?
Bispa Marinez – O tema escolhido para a Conferência é muito inspirador e nos chama a ser “Igreja de Deus para o Mundo de Deus”. Esse não é um desafio simples. Nosso mundo já está suficientemente fraturado e enfermo. Uma Igreja dividida é um antitestemunho. Como bem sabemos, a Conferência de Lambeth não é um fórum deliberativo na Comunhão Anglicana. É, isto sim, um Instrumento de Unidade, uma oportunidade de encontro fraterno e de partilha, de discussão e reflexão sobre temas importantes da nossa conjuntura mundial, de deixar de lado as divergências e diferenças para pensar em como ser uma Igreja que responda aos desafios atuais, como ser uma Igreja que faça diferença neste mundo que é de Deus.
A Conferência de Lambeth é um tempo ímpar de perceber a amplitude da Comunhão da qual fazemos parte e de visualizar a família anglicana em sua diversidade, e nos ajudará a crescer na medida em que partilhamos dos exemplos, das conquistas e dos desafios uns dos outros, umas das outras.
IEAB – Como bispa da Diocese Anglicana da Amazônia, terá certamente bastante a contribuir nos debates e na própria Conferência, já que vive uma realidade muito particular do que é “ser Igreja”. Como você pretende levar esse “olhar amazônico” para Lambeth?
Bispa Marinez – Eu realmente espero ter oportunidade de contribuir nos debates, especialmente no que se refere à Justiça Ecológica e Ambiental e aos Povos Originários, porque a Igreja Anglicana está presente há mais de 100 anos na Região Amazônica, e a Diocese Anglicana da Amazônia é profundamente comprometida com a defesa dos direitos e lutas dos povos indígenas e de outros povos originários nesta região, e busca caminhar em conjunto, ampliando as vozes das populações originárias que clamam pelo direito ao território, ao respeito, e também ao direito à manutenção de sua cultura. Busca viver a quinta marca da missão que nos chama a salvaguardar a criação de Deus e a lutar para salvar a vida humana. A presença e a missão da Diocese Anglicana da Amazônia é a de estar junto ao povo de Deus como testemunho de seguimento ao Cristo.
São inúmeros os desafios para a proclamação e vivência do evangelho na região da Amazônia e para ser Igreja missionária, inculturada e profética no meio deste povo. Especialmente porque a Diocese Anglicana da Amazônia é uma jovem Diocese (a mais jovem da IEAB – temos apenas 15 anos de existência), com uma área territorial extensa, é a maior extensão territorial das dioceses da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil. A área geográfica da Diocese equivale a 42,27% do território nacional brasileiro. São 5 estados na região da Amazônia Brasileira (Acre, Amazonas, Amapá, Pará e Roraima). As pessoas em nossa região necessitam de alimento, de saneamento, de condições dignas de vida, de justiça e de esperança. Os povos originários necessitam de apoio na defesa de seus territórios, de suas culturas e de suas vidas, necessitam que suas vozes sejam amplificadas. É por isso que minha expectativa é que essa Conferência de Lambeth coloque a Amazônia (não apenas a Amazônia Brasileira, mas a Pan Amazônia) na agenda e na pauta da Comunhão Anglicana, não só para ações emergenciais, mas, também, para a realização de ações estratégicas de pressão internacional, de forma a chamar a atenção para a necessidade de proteção da floresta amazônica. O primeiro passo para que isso ocorra são ações de advocacy pelo reconhecimento dos direitos dos povos da floresta à sua terra.
Eu, de fato, tenho grande esperança de que esse espaço de debate e reflexão seja aberto e que a Comunhão Anglicana possa compreender que a forma de ser Igreja na Amazônia passa, necessariamente, pela vivência de uma espiritualidade descolonizada e da caminhada conjunta com os povos originários.
IEAB – Pra você, “o que significa ser a Igreja de Deus para o Mundo de Deus” na próxima década?
Bispa Marinez – Tenho plena consciência de que muito ainda será necessário para que, como Igreja de Cristo (e a exemplo de Cristo), tenhamos mais empatia, amorosidade e inclusividade na vivência de nossa fé em comunidade. Penso que para sermos Igreja de Deus para o Mundo de Deus devemos sempre, repetidamente, buscar inspiração no ministério de Jesus, lembrando que espiritualidade e ação andam juntas e uma é o reflexo da outra.
Nosso discipulado (nosso seguimento a Cristo) deve refletir-se na denúncia de todas as atitudes de desrespeito socioambiental, na busca de testemunhar, por palavras e obras, vivência do amor, na luta por vida plena para todas as pessoas, na busca pela superação de todas as formas de violência, na coragem e ousadia de sermos vozes profética em defesa dos direitos das populações mais vulneráveis.
Creio que, guardadas as diferenças locais, já fazemos isso em parte, através das pautas que escolhemos e defendemos. Na próxima década, precisamos aproximar ainda mais nosso discurso de nossa prática.
Minha oração é para que nos mantenhamos firmes na construção de uma Igreja acolhedora, inclusiva e missionária, que abarque a diversidade em sua plenitude.

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