Conferência de Lambeth – Entrevista com o bispo Maurício

O ano de 2022 será marcante para toda a Comunhão Anglicana. Isso porque, depois de dois adiamentos, será, enfim, realizada a 15ª edição da Conferência de Lambeth. O evento reunirá representantes anglicanos de todo o mundo. Um dos que irá representar a Igreja Episcopal Anglicana do Brasil (IEAB) será o bispo Maurício Andrade. 
Pela segunda vez na Conferência, ele compartilhou conosco as suas expectativas.
Confira na entrevista a seguir!
IEAB – Essa é a sua segunda participação numa Conferência de Lambeth, certo? O que mudou na Igreja Anglicana entre uma Conferência e outra? 
Bispo Maurício – Sim, essa é minha segunda participação na Conferência de Lambeth. Em 2008, na minha primeira participação, eu também era o bispo primaz da Igreja. Nesse tempo eu notei algumas mudanças, e uma das primeiras foi a própria mudança do arcebispo da Cantuária. Desde abril de 2013, assumiu Justin Welby como 105° o arcebispo, que, naturalmente, trouxe para dentro da Igreja uma nova forma e estilo de liderança.
Justin assumiu obstinadamente o desafio de construir caminhos de reconciliação ao redor da Comunhão Anglicana. Nesse tempo, tivemos a criação de novas Províncias – em 2008 éramos 38 e, agora, são 42, mas já estamos nos aproximando de chegar a 43. Percebi, contudo, um certo esvaziamento das funções dos Instrumentos de Unidade da Comunhão Anglicana (Arcebispo de Cantuária, Conferência de Lambeth, Conselho Consultivo Anglicano e Reunião dos Primazes) e, contraditoriamente, uma concentração de força no Episcopado, ou Arcebispado, uma vez que, atualmente, o secretário-geral da Comunhão Anglicana é um arcebispo, o presidente do Conselho Consultivo é arcebispo e quem preside a Reunião dos Primazes e a Conferência de Lambeth é o arcebispo da Cantuária. 
Para além dessas questões, a Comunhão Anglicana avançou desde a última Conferência em presença profética nos diferentes continentes: ampliou a capacidade de ser uma Igreja inclusiva e avançou na construção de uma Igreja que deseja ser segura para as pessoas.
IEAB – O tema da Conferência em 2022 será: A Igreja de Deus para o Mundo de Deus – caminhar, escutar e testemunhar em conjunto. Caminhar, escutar e testemunhar em conjunto tem sido um desafio cada vez maior num mundo onde as pessoas parecem mais interessadas na divisão. De que modo a Conferência ajuda a nortear a Igreja?
Bispo Maurício – Penso que cada bispo e bispa que irá à conferência necessita levar junto de si a representação da realidade e contexto de suas Dioceses, porque com essa possibilidade e com o exercício de caminhar e escutar uns aos outros sem censura, sem preconceitos, mas, sim, com paixão e acolhida, poderemos construir um testemunho que irá para além de divisão. 
Quando temos a disposição de olhar para as irmãs e irmãos que estão juntas no seguimento a Cristo em amor, certamente não haverá julgamento, e não apontaremos quem está certo ou errado, pois o fato de a outra pessoa ser diferente não implica que ela esteja errada, mas tão somente que ela é diferente. E espero que saiamos para testemunhar juntas que a Igreja de Deus deve está pronta para servir ao Mundo de Deus. 
Essa é a minha esperança para a Conferência. 
IEAB – Bispo Maurício, ao longo de seu ministério, notamos uma forte atuação tanto no campo ecumênico, quanto no social. Mas hoje em dia há muitos movimentos cristãos que desprezam o ecumenismo e veem no trabalho social uma espécie de “assistencialismo”. É possível ser “Igreja de Deus” sem estar comprometido com o diálogo ecumênico e com o bem-estar das pessoas? Se a resposta for não, por qual razão tais movimentos parecem prosperar tanto? Será um indício de uma sociedade cada vez mais egoísta, incapaz de dialogar e cega aos sofrimentos alheios?
Bispo Maurício – Não é possível expressar o Evangelho do Cristo sem se comprometer com as pessoas, em especial, as pessoas que estão em situação de vulnerabilidade.
Jesus sempre se envolveu com ternura, bondade, compaixão e misericórdia com a multidão que o seguia. “Dai-lhes vós mesmo de comer” (Mateus 14:16). Jesus não despediu a multidão, mas alimentou-a, abençoando e partilhando os cinco pães e dois peixes (João 6:1-13). Contudo, há grupos que negam essa face do Cristo, e anunciam o evangelho que não compromete, ou seja, o evangelho de privilégios. 
Mas sempre digo que privilégio gera responsabilidade. E o evangelho dos privilégios assume uma espiritualidade verticalizada, individualista e, sobretudo, egoísta, onde o que vale é a salvação individual. Nesse cenário, as pessoas se fecham em si mesmas e se tornam incapazes de ver a necessidade de quem está sofrendo. É preciso compreender que toda ação de espiritualidade necessita ser pautada por uma ação de solidariedade, que se concretiza na expressão do amor do Cristo a todas as pessoas.
IEAB – Num exercício de mera suposição, quais caminhos a Conferência deverá apontar para a Comunhão Anglicana na próxima década?
Bispo Maurício – A próxima Conferência de Lambeth tem criado muita expectativa, especialmente, porque ela sofreu dois adiamentos: o primeiro por decisão do arcebispo Justin, que adiou de 2018 para 2020, e o segundo pelo advento da pandemia mundial da Covid-19. Considerando que desde fevereiro de 2020 o mundo tem vivido uma experiência que nos colocou a todos a repensar a vida, a vivenciar a fragilidade do ser e a experimentar uma total impotência diante de um vírus que tem causado a morte de milhões de pessoas ao redor do mundo (aqui no Brasil já choramos por mais de 560 mil pessoas), tal quadro da humanidade terá impacto profundo na Conferência. Desta forma, espero que ela aponte e desafie a Comunhão Anglicana a ser cada vez mais uma Igreja que Proclama a Palavra de Deus, refletindo esperança ao povo sofrido. E que seja uma Igreja profética diante dos contextos de fundamentalismos e fascismos que rodeiam nossa sociedade. Finalmente, espero que também aponte para caminhos de unidade e reconciliação, anunciando uma palavra forte sobre as mudanças climáticas e contra toda forma de violência aos povos originários em seus diferentes contextos. Pessoalmente, espero que a Conferência reafirme os valores de uma Igreja que viva a expressão do amor na sua mais absoluta radicalidade, e com a certeza de “o perfeito amor lança fora todo medo”.