Processo civilizatório brasileiro em marcha-ré. Por bispo Francisco de Assis
Tenho ouvido muita gente usar a seguinte frase: o Brasil não é para amadores. Deixando de lado o tom até certo ponto jocoso da expressão, me permito concordar em parte com ela.
Estamos vivendo uma conjuntura que coloca em xeque toda leitura que se possa fazer com relação à rápida transformação do país em um laboratório de maldades, incompetências e corrupção.
Comecemos pelo discurso que é o dístico das forças políticas que chegaram ao poder – e aqui diga-se de passagem que foi pela via democrática, pelo voto e pelo convencimento eleitoral – cheio de conceitos que reúnem ultra-liberalismo econômico, religião e autoritarismo de corte fascista.
Retoma o ufanismo da Pátria Amada como um conceito imaterial, ideal, que não esconde a intenção de criar um verniz sentimental, platônico, insípido que não se relaciona com a vida do povo e suas agruras. Soma-se a isso um elemento religioso de defesa da família tradicional e de um cristianismo fundamentalista que só se preocupa com as ameaças da ciência e do comunismo.
O que temos hoje, após 1000 dias deste governo? A corrupção se ampliou tremendamente e o crescimento econômico não saiu das intenções. Some-se a isso o ressurgimento da fome, a incompetência gerencial que causou a tragédia das mortes nesta pandemia que poderia ter sido enfrentada com mais eficiência.
A imagem do Brasil está definitivamente comprometida pela destruição do meio ambiente e a sistemática destruição do Estado como garantidor de direitos fundamentais. As propaladas reformas na verdade são retiradas de direito e o sepultamento definitivo do Estado Social no Brasil.
Chegamos a 600 mil mortes num cenário de horror. E se sabe que não foi a pandemia em si que vitimou tanta gente. As revelações da CPI no Senado mostram uma conjugação de corrupção, extermínio de pessoas e locupletação de empresários que nunca se importaram com vidas humanas. Relatos que só tivemos equivalência durante o extermínio levado a efeito nos campos de concentração nazistas.
A fome chegou e o governo não é capaz de criar nenhum programa eficiente para reduzi-la, seja porque não tem coragem de criar mecanismos fiscais que ajudem a reduzir esta desigualdade ou porque simplesmente não tem nenhum interesse mesmo em combater o flagelo da fome.
Politicamente, as esquerdas não conseguem dialogar e pautar uma estratégia que vá além da disputa em torno de nomes. Parece que há uma nítida incerteza a respeito do caminho a adotar, se o impeachment já ou as eleições do ano que vem. A classe trabalhadora está insegura sobre um confronto mais direto com a burguesia a respeito, tanto que a adesão aos atos contra o governo tem sido assumida pelos partidos e movimentos sociais e tem tido baixa adesão dos sindicatos.
Enquanto a Economia deteriora cada vez mais, os meios de comunicação burgueses ficam anunciando com letras garrafais qualquer notícia que esconda a realidade do país. Escondem principalmente o retorno da inflação de dois dígitos, configurada agora no somatório de doze meses. Os preços estão subindo sem parar e isso se sente nos itens mais essenciais da cesta básica e dos serviços públicos. O ministro da Economia e o presidente do Banco Central são pegos envolvidos no escândalo do Pandora Papers e só não caíram porque a mídia os defende, alegando a legalidade dos seus negócios.
Enfim, o desmonte do Brasil segue seu curso, sobre o acolchoado de um Congresso conservador que é basicamente sustentado pelo Agro, pela Bíblia e pelas Armas. Neste cenário, estamos todos em risco. Pobres, negros, indígenas, mulheres e trabalhadores informais vivem sem saber se amanhã haverá direitos, já que o gás, o alimento, a energia e a água estão se tornando cada dia mais artigos de luxo.
Pode-se afirmar, com toda certeza, que vivemos um JK ao contrário: lá o lema era 50 anos em 5. Aqui o lema é: em 5 recuamos 50. Este é o pesadelo que se vive hoje no Brasil. O processo civilizatório está em rápida marcha-ré em nosso país!
Bispo Francisco de Assis da Silva Diocesano da Diocese Sul Ocidental Advogado e Mestre em Ciências Políticas