Ciência e fé: Comunhão Anglicana terá uma Comissão para a Ciência

Agora é oficial: a Comunhão Anglicana vai possuir uma Comissão para a Ciência (ACSC, em sua sigla em inglês), a qual terá a “missão de desenvolver uma compreensão mais profunda da ciência dentro da Comunhão Anglicana e trazer uma forte liderança espiritual em todas as questões globais envolvendo a ciência”.
A comissão será co-presidida pelo arcebispo da Cidade do Cabo, África do Sul, Thabo Makgoba, e pelo bispo de Oxford, Inglaterra, Stephen Croft, e também incluirá cientistas, teólogas/os e bispas/os de todo o mundo. 
O arcebispo da Cantuária, Justin Welby, disse que a ciência está “profundamente embutida em nossa experiência de criação e de ser humano e de procurar entender o mundo ao nosso redor”, mas que a Igreja a tem “negligenciado muito” ao longo dos séculos.
Ele argumenta que o mundo vem passando por um período de mudanças “esmagadoras e inimagináveis”, com rápidos avanços em áreas como Inteligência Artificial, e que, por isso, “precisamos nos dirigir a esse mundo, caso contrário, estaremos completamente desconectados e não poderemos falar de ética”. 
Stephen Croft espera que a comissão ajude a Igreja a “ouvir e receber a ciência” em relação às questões como mudanças climáticas, doenças e tecnologia. “Ajudará nossas igrejas a falar sobre isto a partir de nossa própria tradição, com confiança, para um mundo que se debate com estas questões”, ponderou.
Já Thabo Makkgoba informa que a pandemia da Covid-19 e as preocupações em torno das vacinas deixaram clara a desconfiança de muitas pessoas em relação à ciência, ou sua visão de que ela entra em conflito com a fé. “A Comissão caminhará ao lado dessas pessoas enquanto mostra a toda a família ecumênica que Deus pode trabalhar no mais ínfimo material, nos dados, na saúde e em nossa vida cotidiana”.
Entre os integrantes da Comissão está Andrew Briggs, professor de nanomateriais na Universidade de Oxford, especialista em microscopia acústica e materiais para tecnologias quânticas. “A visão da ACSC é equipar os bispos da Igreja para uma liderança corajosa e confiante nas questões que envolvem a ciência, abraçando-a como um recurso dado por Deus para a vida da fé, e oferecendo a sabedoria da fé ao impacto da ciência”.
Lançamento
A ACSC será lançada oficialmente na Conferência de Lambeth, entre julho e agosto deste ano (2022). A ACSC pretende realizar sua primeira conferência pouco tempo depois disso.
Irão compor a Comissão:

ARCEBISPAS/OS e BISPAS/OS

  • Thabo Makgoba – Arcebispo da Cidade do Cabo
  • Linda Nicholls – Primaz da Igreja Anglicana do Canadá
  • Antje Jackelen – Arcebispa de Uppsala e Primaz da Igreja da Suécia
  • Steven Croft – Bispo de Oxford
  • Emily Onyango – Bispa Assistente na Diocese de Bondo, Quênia
  • Renta Nishihara – Bispo de Chubu, Japão
  • Michael Beasley – Bispo de Hertford, Inglaterra
  • Richard Cheetham – Bispo de Kingston; co-diretor do Equipping Christians in an Age of Science

CIENTISTAS

  • Andrew Briggs – Professor de Nanomateriais, Dept. de Materiais, Oxford
  • Dra. Heather Payne – Consultora Pediatra & Consultora Médica Sênior do Governo de Galês
  • Gustavo Assi – Professor Assistente do Departamento de Arquitetura Naval e Engenharia Oceânica da Universidade de São Paulo
  • Dra. Santa Ono – Presidente e Vice-Chanceler, Universidade de British Columbia (imunologista molecular)
  • Dr. Derrick Aarons – Consultor de Bioética & Faculdade Adjunta – Centro de Bioética Global, Universidade St. George’s, Granada, Índias Ocidentais. Médico de Família e anteriormente Ethicist for the Caribbean Public Health Agency (CARPHA).
  • Professor Kwamena Sagoe – Virologista molecular e de saúde pública, Universidade de Gana, Zâmbia

TEÓLOGAS/OS

  • Jennifer Strawbridge – Professora Associada em Estudos do Novo Testamento, Universidade de Oxford & Canon Theologian, Blackburn Cathedral

CONSULTORAS/ES

  • Revda. Rachel Carnegie – Diretora Executiva, Anglican Alliance
  • Reverendíssimo Joseph Galgalo – Bispo assistente, Diocese de All Saints Cathedral, Nairobi, Quênia. Anteriormente Vice-Chanceler e Professor Associado de Teologia, St Paul’s University, Quênia
  • Revd. Dr. Stephen Spencer – Diretor de Educação Teológica na Comunhão Anglicana
  • Ian Ernest – Representante Pessoal do Arcebispo de Cantuária junto à Santa Sé; diretor do Centro Anglicano em Roma (de Mauritius)
  • Dr. Christopher M. Hays – anteriormente Professor do Novo Testamento no Seminário Bíblico da Colômbia
  • Eamonn Mullally – Envolvido no planejamento da Conferência de Lambeth como cônjuge da Bispa da Diocese de Londres

BISPO MAURÍCIO – ELO ENTRE A COMISSÃO E A IEAB

No Brasil, o bispo Maurício Andrade, da Diocese Anglicana de Brasília, fará a ponte entre a Comissão e a nossa Província. Para entender um pouco melhor o papel dele nessa nova frente de trabalho, fizemos uma breve entrevista – que você confere a seguir:
1) Bispo Maurício, como você recebeu a notícia de que seria o elo entre a nossa IEAB e a Comissão?
Recebi com muita alegria no coração, mas também com um imenso senso de responsabilidade, pois serei o responsável por ser uma “ponte” entre a Comissão e a nossa Província – ajudando, inclusive, a executar aquilo que a Comissão irá orientar. 
Enquanto cristão anglicano, nunca encarei o diálogo entre ciência e fé como um tabu. Muito pelo contrário. Sei que ciência e fé, juntas, podem tornar o dia a dia das pessoas um pouco melhor. A fé atua no campo da alma, dos sentimentos, daquilo que é sutil. A ciência está mais no campo prático, verificável, mensurável, e traz soluções que, pela fé somente, não teríamos. Quer um exemplo? A fé nos ajuda a “viver a doença” de maneira digna, resiliente e com esperança; aliás, a fé é a mãe da esperança. Mas é a ciência que trará o remédio para o corpo, o antibiótico, a vitamina. Uma caminha ao lado da outra – e elas não se excluem nunca. Aqueles que querem criar uma oposição entre ciência e fé cometem grandes equívocos.
2) Nesses tempos de pandemia, vimos que o negacionismo ainda é forte em muitas igrejas cristãs. Aproximar ciência e fé seria um antídoto para esse comportamento que insiste em ver a ciência como inimiga da fé?
Lembra que falei na resposta anterior sobre “grandes equívocos”? Pois bem! O negacionismo às vacinas é um deles. Infelizmente, muitas igrejas mistificam tanto a mensagem dos Evangelhos que acabam transformando-o em um amuleto da sorte para tudo. Esquecem que o próprio Jesus foi prático: quando as pessoas tinham fome, Ele deu para elas peixe e pão. Isso mostra seu espírito prático. Tivesse Jesus a mentalidade dos mistificadores de hoje, pediria para que todos orassem até que a fome fosse aliviada por meio da prece. Sabemos que não foi assim. 
A ciência está aí para ser nossa aliada. As vacinas são uma prova disso: desde que começamos as vacinações em massa, os números de leitos ocupados em UTI/Covid despencaram. 
Creio que foi muito feliz a decisão da Comunhão Anglicana em criar essa Comissão. O negacionismo afeta não apenas o tema “vacinas”, mas também aquecimento global, redução do consumo de carne, bem-estar animal, entre outros. E nossa Igreja não está imune aos negacionistas, infelizmente. Daí a importância de termos anglicanos e anglicanas, pessoas sérias, debatendo eticamente a importância da ciência para a fé e vice-versa. 
Os desafios são muitos, mas em unidade e amor, teremos excelentes frutos a compartilhar.

Foto: Arquivo pessoal