Conselho Consultivo Anglicano: o que é e como funciona?

Nesta semana, nossa conversa é com a reverenda Inamar Corrêa de Souza, uma das representantes da IEAB no Conselho Consultivo Anglicano (ou ACC, na sigla em inglês). 
Mas o que é o ACC? 
É um organismo vinculado à Comunhão Anglicana que reúne representantes de todas as Províncias, sendo considerado “instrumento consultivo e democrático” da Igreja.
Hoje, Inamar integra o conselho gestor/executivo do ACC, o que, para nós, é motivo de muita satisfação, já que a reverenda possui uma visão crítica, séria e, ao mesmo tempo, comprometida com os valores de um Evangelho que anuncia e denuncia.
Mas como funciona o ACC?
E quais são as atribuições da revenda Inamar lá?
É sobre isso que falaremos em nossa entrevista. 
Boa leitura.

 

  1. Reverenda Inamar, você é uma das representantes da IEAB no Conselho Consultivo Anglicano, certo? Falando diretamente para o público que acompanha nosso site, poderia explicar o que é esse Conselho e qual é a importância do mesmo no contexto da Comunhão Anglicana? 
O Conselho Consultivo Anglicano é um dos instrumentos da Comunhão Anglicana mais representativos, pois é formado por pessoas delegadas da base das Províncias anglicanas ao redor do mundo. A reunião plena do ACC, que acontece a cada três anos, recebe dois ou três representantes de cada Província: pessoas leigas (minoria), ordenadas (maioria), homens (maioria), mulheres (minoria), e algumas pessoas jovens. Há representantes ecumênicos, staff, presidentes de comissões e imprensa, totalizando umas 500 pessoas.
A importância do ACC se dá enquanto instrumento consultivo e democrático da Comunhão Anglicana, recebendo relatórios dos diversos grupos, redes e comissões, acompanhando o trabalho dos outros instrumentos, recebendo propostas das comissões e de diversas Províncias. Cada reunião plena termina com a aprovação de cerca de 30 resoluções a serem divulgadas amplamente pela Comunhão Anglicana, incentivando a vida comum nas Igrejas e o respeito ao sentido de unidade, levando em conta os diferentes contextos e culturas.
A partir do ACC17 (reunião de número 17), realizado em Hong Kong, em 2019, a IEAB passou a ter duas pessoas representantes na delegação. Antes disso, havia somente uma vaga para Províncias com um menor número de pessoas anglicanas – caso da nossa. 
Essa delegação é nomeada no Sínodo Provincial para servir num período estimado de oito anos, possibilitando que ela participe de duas reuniões do ACC, realizadas de três em três anos. Com um mandato estendido, essas pessoas também podem concorrer para a diretoria do Conselho, que se reúne semestralmente, chamado de Comitê Permanente.
  1. Hoje, qual é a sua função lá (ou quais são seus principais trabalhos lá)? 
Integrei a diretoria do ACC, chamada de Comitê Permanente, em setembro de 2021. Sou a única brasileira, e há um costa-riquenho, no total de oito pessoas. Nossas funções principais são:
  • Dar continuidade ao plano do ACC, criar e acompanhar subcomissões, quando necessárias;
  • Acompanhar o andamento dos trabalhos das diversas comissões, redes anglicanas, representações, grupos bilaterais;
  • Revisar e aprovar orçamentos em geral, ACC, Lambeth, ACO, programas e reformas;
  • Acompanhar o ACO (Escritório da Comunhão Anglicana) nas questões de plano de trabalho, orçamento, organização, contratação e aposentadoria de funcionários.
  • Escolher a Secretária-Geral da Comunhão Anglicana.
Também integrei a subcomissão de Planejamento do ACC18, que será realizado presencialmente na cidade de Acra, em Gana, na África Ocidental, em fevereiro de 2023. O tema escolhido para a próxima reunião do ACC tem sido em torno do Discipulado Intencional.
Atualmente, a maior parte do nosso trabalho tem sido no Comitê de Eleição da Secretária-Geral da Comunhão Anglicana, que terá o período de transição para o cargo no final do primeiro semestre de 2022, na época preparatória para a Conferência de Lambeth. Preparamos o perfil do cargo e contratamos uma agência de recrutamento no final do ano. Neste momento, reduzimos o número de pessoas candidatas para nove. Estamos realizando entrevistas e painéis de discussão para definir a pessoa mais adequada através de contato mais personalizado. A decisão final será divulgada em maio (2022).
  1. Fortalecer as relações ecumênicas é outro tema que está no radar do Conselho. Particularmente, como você avalia o ecumenismo a nível de Brasil e, também, global?
Eu não pude aprofundar o envolvimento ecumênico global da Comunhão Anglicana, principalmente pela realidade da pandemia que resultou em reuniões e eventos virtuais para praticamente todos os grupos nesse período. Espero que, com o retorno de atividades presenciais, das viagens e visitas, ocorra um avanço na participação ecumênica.
Houve avanços nos trabalhos junto às Comissões Bilaterais e junto ao Conselho Mundial de Igrejas. Também há mudanças na forma de realizar a representação anglicana junto à ONU.
  1. Na sua opinião, e tendo em vista os cenários que a Igreja já vive, seja do ponto de vista econômico, ético, ambiental, político, etc., qual deve ser o principal desafio do Conselho Consultivo Anglicano nos próximos anos?
Um dos desafios para os próximos anos é repensar o próprio papel do ACC como um dos instrumentos da Comunhão Anglicana. Diante das fragilidades do ACC, como a alta rotatividade de representantes, a possibilidade de ocorrer manipulação política e a experiência de polarizações em alguns assuntos, foi criada a Comissão de Fortalecimento do ACC. Ela reflete sobre o equilíbrio das decisões tomadas pelo ACC, fazendo um balanço com a reunião dos Primazes.
Outra tarefa importante tem sido refletir a eclesiologia da Comunhão Anglicana no sentido de avançar ou conter a tentativa de curialização da Igreja, especialmente nas iniciativas de ampliar o papel e o poder de decisão do arcebispo de Cantuária na comunhão global. 
No ACC17, ele assumiu pessoalmente a tarefa de conversar com ‘todas as pessoas’ que se sentissem desafiadas pelo assunto da sexualidade humana dentro da Comunhão Anglicana, diminuindo o peso do próprio papel do ACC, das comissões e grupos de trabalho, e das províncias representadas desejosas em dar continuidade ao assunto. Na ocasião, ele foi questionado se teria disponibilidade na sua agenda para cumprir essa imensa tarefa. Até o presente momento, ele não prestou relatório sobre o assunto.
Foi lançada uma consulta por iniciativa do próprio arcebispo Justin Welby, através da Comissão de Fé e Ordem, sobre a mudança na legislação da Igreja da Inglaterra, por ocasião da eleição do próximo arcebispo de Cantuária, para incluir mais cinco pessoas no grupo votante (1 de cada região da Comunhão Anglicana). A intenção é ampliar a participação de outras Províncias fora da Inglaterra, para uma função que envolve atividades internacionais. Se houver um fórum global de eleição do arcebispo de Cantuária, a palavra do arcebispo ganha maior peso dentro da Comunhão. Eu não acredito que a eclesiologia anglicana seja nessa direção. Ampliar o fórum de eleição amplia o papel do arcebispo de Cantuária, sendo importante repensar o que significa ser primus inter paris, nesse contexto. Qualquer pessoa individual, grupo ou Igreja da Comunhão Anglicana pode responder às perguntas dessa consulta e justificar sua opinião. No entanto, considero esse instrumento de consulta bastante subjetivo e pouco representativo. Ele poderia ser acompanhado por um estudo mais sistemático, engajado e teológico sobre a eclesiologia das Igrejas Anglicanas e sobre o futuro da Comunhão Anglicana como um todo.