O conto da mulher acolhida. Por Adriano Portela

Era a Festa das Tendas novamente. Diná, a mulher acolhida por Jesus quando flagrada em adultério, costumava ir visitar Suzana todos os anos, quando peregrinava para as festas em Jerusalém.
Jesus havia sido morto no ano anterior. Os discípulos falavam que Ele havia ressuscitado e estavam mantendo viva a sua memória, em pequenas comunidades, transmitindo os seus ensinamentos.
Recordando estes ensinamentos, Suzana perguntou a Diná:
 – Você se lembra do dia em que nos conhecemos?
– Como não? Renasci naquele dia! – respondeu Diná.
– Verdade. Lembro-me até agora da sua expressão de aflição quando foi jogada ao chão, no meio do círculo, por aqueles homens. Parece que ainda os posso escutar te acusando para o Mestre: “Esta mulher foi pega em adultério. Moisés, na Lei, manda apedrejar mulheres nessa situação. E o senhor, o que diz?”
– Nem me fale, Suzana: só de pensar, arrepio-me toda. Você foi a primeira das discípulas a me defender: “E cadê o adúltero? A Lei não condena os dois?” Eles não souberam o que te responder (risos)!
– Mas todas que falaram enquanto o Mestre escrevia no chão, foram importantes. Lembra-se do que gritou Raquel? “Eu conheço esta mulher: o marido a agride frequentemente!”
– Sim, lembro, disse Diná. Nós éramos vizinhas naquela época. Íamos ao Templo juntas, algumas vezes. E você se lembra da coragem de Ana?
– Ah, minha irmã, aquela sim foi corajosa. Mal Jesus declarou que quem não tivesse pecado atirasse a primeira pedra, contou pra todo mundo que ela tinha se envolvido há alguns anos com Ananias, esposo de Sofia. E o hipócrita já estava com as pedras nas mãos, pronto para te apedrejar, recordou Suzana.
– Exatamente. Ele já veio com elas nas mãos, quando me arrastaram para lá. E foi o primeiro a deixar as pedras. Esse arroubo juvenil de Ana me valeu a vida. Se ela não tivesse se exposto para expor Ananias, era bem capaz daqueles hipócritas me apedrejarem, como se não tivessem pecado algum!
– Jesus também foi muito corajoso, afirmou Suzana. Ele sabia que aqueles homens estavam com más intenções para com ele, que queriam apenas colocá-lo à prova para terem um motivo de o descredibilizar socialmente.
– Até que ponto vai a crueldade humana, indignou-se Diná! Eles não tiveram o menor escrúpulo de me utilizarem em sua estratégia. Sabiam que me deixei seduzir por Nicanor, flagraram-nos, deixaram o colega no anonimato e me arrastaram até o Mestre!
– Eles só não contavam que o Mestre fosse dar-nos ouvidos.
– Sim, até eu me admirei quando ele me dirigiu a palavra, para me dizer: “Ninguém condenou você? Eu também não a condeno. Vai e não peque mais!” Essas palavras foram libertadoras. Se nem ele me condenava, por que eu me torturaria com tantos julgamentos? Se até ele acreditava no melhor de mim, por que eu não iria ter coragem de mudar a minha vida?
– Aquelas palavras dele mexeram muito comigo também. Por isso, resolvi trazer você para a minha casa naquele dia, explicou Suzana.
– E foi tão importante para mim o seu gesto! Eu não sabia para onde ir, depois daquele escândalo público. Eu não seria recebida em casa, na verdade, eu seria espancada pelo meu marido… quem sabe até morta!
– Foi importante para mim também, Diná. Ganhei uma irmã… e quantas coisas vivemos juntas naquele tempo, com o Mestre.
Essa e muitas outras, são histórias das mulheres com Jesus. É uma pena que mulheres como Diná e Suzana não tenham tido seus relatos preservados com a riqueza que merecem, como este, que ouvi da neta de Diná.
* Adriano Portela é doutor em Letras e reverendo da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil (IEAB)