Nova presidenta da Comissão de Anistia é da Comunidade Anglicana de Brasília

No dia 17 de janeiro, o Ministério dos Direitos Humanos oficializou a nova composição da Comissão de Anistia. Para nossa alegria e contentamento, uma dessas nomeações foi a da professora Eneá de Stutz e Almeida, irmã nossa na Diocese Anglicana de Brasília (DAB).
Eneá é graduada, mestre e doutora em Direito. Carioca, desde 2009 mora em Brasília, pois se tornou professora da Faculdade de Direito da UnB. Também em 2009 ingressou na IEAB, na Diocese de Brasília. “Eu já conhecia a Igreja há muitos anos, porque fui casada com José Bittencourt Filho, que nos anos de 1970 foi seminarista da Igreja”, explicou.
“Pesquiso o tema da Justiça de Transição, que é o conjunto de mecanismos para lidar com as atrocidades de um Estado de exceção, desde 2009. Junto com minha posse na UnB, também fui convidada a ser Conselheira da Comissão de Anistia, que naquela época ficava no Ministério da Justiça. Permaneci Conselheira até final de 2018”, disse.
Fomos conversar com ela sobre a nomeação e entender como ela a recebeu.
Confira a entrevista:

1) Como você recebeu essa nomeação?

Eu e os demais Conselheiros nomeados fomos contemporâneos nesse período de 2009-2016. Alguns até 2018. Nós nunca perdemos o vínculo, e continuamos lutando por memória, verdade, reparação e justiça (que são os mecanismos da Justiça de Transição). 
Quando meu nome foi escolhido para presidir a Comissão, fiquei muito feliz e honrada, porque é uma enorme oportunidade para recuperar tudo que foi perdido com os retrocessos dos últimos 4 anos e ainda avançar nessa pauta da reparação, memória, verdade e justiça.

2) Você integra a IEAB, que é igreja-membro do CONIC. Como vê essa sua relação com a Igreja e como ela pode ajudar nessa nova missão?

Eu sou uma mulher de fé. Tudo na minha vida é guiado pela fé. Sou cristã e sou ecumênica. Sempre fui. Tenho aprendido nos últimos anos, em especial com meus orientandos e orientandas indígenas e negros e negras que somos também guiados pela ancestralidade. E percebi que essa perspectiva não difere tanto assim da perspectiva cristã, da comunhão de todos os santos e santas. E faz parte de cumprir o 5º Mandamento (honrar pai e mãe) honrarmos nossos antepassados que lutaram por um Brasil mais democrático, mais solidário e mais justo, e alguns pagaram com a própria vida por essa luta. Assim, é na minha comunidade de fé que encontro forças e renovo essas forças para cumprir com o dever ético do amor ao próximo. Simultaneamente cumpro a missão de fé e também essa missão de liderar o grupo de Conselheiras e Conselheiros que me foi confiada pelo ministro de Direitos Humanos e Cidadania.

3) No Brasil atual, como, na sua opinião, deve atuar a Comissão?

O mais urgente e importante nesse primeiro momento é que a Comissão volte a ser uma Comissão de Estado e deixe de ser uma Comissão de governo. Ser uma Comissão de Estado significa cumprir a missão constitucional de realizar o programa de reparações, de memória e de verdade. Para tanto, precisaremos atuar em dois movimentos simultâneos: 
a) fazer um levantamento de todos os pedidos julgados e verificar quais foram ilegalmente julgados, ou seja, quais foram julgados descumprindo os requisitos legais, e quais foram julgados cumprindo os mesmos requisitos. Aqueles que tiverem sido ilegais serão revistos; 
b) julgar todos os pedidos que ainda não foram julgados. Tudo com muito respeito, diálogo, maturidade, transparência e democracia.

4) Gostaria de acrescentar algo?

Apenas dizer que é muito importante que a sociedade brasileira acompanhe as atividades da Comissão de Anistia, porque esse trabalho, embora dirigido às pessoas que foram perseguidas políticas numa época sombria da história brasileira, tem impacto direto sobre todos nós, brasileiros e brasileiras. Foi justamente porque não acertamos as contas com nosso passado autoritário, porque fugimos do enfrentamento das atrocidades cometidas e nos últimos anos permitimos até mesmo que essa crueldade toda fosse negada, que experimentamos o que é chamado deesquecimento-recalque”. Todo recalque volta com violência. Temos visto a violência explodir no Brasil, e foi isso que aconteceu no 8 de janeiro, em Brasília. Violência pura e aparentemente sem que soubéssemos dizer a motivação daquelas pessoas para quebrar tudo que viam pela frente.
A reconciliação nacional e a pacificação é o que queremos, mas essa reconciliação só é possível se a Comissão de Anistia e a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos cumprirem a Constituição fazendo seu trabalho e as recomendações da Comissão Nacional da Verdade forem atendidas. São as três Comissões de Estado, criadas a partir da Constituição de 1988, para dar conta da tarefa de memória, verdade, justiça e reparação. 
Essa é a base da democracia, e a democracia (ou a falta dela) atinge a toda a comunidade brasileira. Então, eu peço não só as orações para que tenhamos coragem e força para atuar conforme o necessário, mas também que possamos ampliar esse debate e trazer cada vez mais pessoas para a luta por um Brasil mais igualitário, justo, democrático e solidário. Muito obrigada.
Fotos: Raquel Aviani, Secom/UnB