Vocação: como é isso na nossa IEAB?

Existem várias fontes que podem responder-nos acerca desta questão, como por exemplo os cânones (leis ou regras da igreja), entretanto, nossos cânones nascem de nosso entendimento (teologia) sobre o exercício do ministério. Todo ministério (serviço eclesiástico) na IEAB nasce na Igreja, e seu fim é para a maior Glória de Deus na Proclamação do seu Reino de Amor. Isso quer dizer que não há ministério “pessoal”, “particular”, “individual”, pois todo ministério é um dom da Igreja, exercido para ela, por meio da graça concedida a nós por Cristo, o cabeça da Igreja. É na Igreja que nossa Vocação (chamado) é confirmada, e é por ela que somos enviados(as) para a Missão.

Mas eu já fui ordenado em outra igreja. Como posso ser clérigo(a) anglicano(a)?

Infelizmente, as divisões das igrejas ainda não permitiram o reconhecimento universal dos ministérios exercidos em outras denominações (tradições cristãs).  A IEAB é parte da Comunhão Anglicana que compreende-se enquanto uma igreja católica (no sentido dos credos) e, por isso, reconhece os ministérios ordenados apenas de pessoas ordenadas por um bispo ou bispa de tradição apostólica reconhecida, como a Igreja Católica Apostólica Romana ou as Igrejas Ortodoxas e Orientais. Em alguns lugares do mundo, outras tradições também possuem reconhecimento das ordens, mas não é o caso no Brasil, dada a inexistência ou a extinção destas demais tradições por aqui. Se você foi ordenado(a) em outra igreja, infelizmente não será reconhecido(a). Os critérios de rito, forma e fórmula, além da Apostolicidade do ministério Episcopal que confere as ordens, são elementos fundamentais para o reconhecimento das ordens diaconais, presbiterais ou episcopais de uma pessoa.

Ok. Mesmo não tendo as ordens reconhecidas, sinto-me vocacionado(a) e desejo buscar a ordenação dentro da IEAB. Como devo proceder?

Como dissemos no início, toda vocação é reconhecida e nasce na experiência local de uma comunidade de fé: um ponto missionário, uma missão ou paróquia. Neste contexto, você deve estar inserido(a), vivendo com plenitude a vida sacramental, exercendo os deveres de todos os membros em plena comunhão com a sua comunidade (ajudando-a a mantê-la financeiramente inclusive), e, se possível, auxiliando a autoridade pastoral da comunidade em alguma atividade (juventude, mulheres, liturgia, etc.). Quando exercemos a plenitude de nossa vida eclesial e deixamos o Senhor usar nossos dons, talentos, tempo e trabalho, a comunidade reconhecerá e secundará a vocação (chamado) que até então só você ouvira ou sentira.
Quando este momento ocorre, significa que é o tempo de solicitar seu encaminhamento para o bispo ou bispa como um aspirante ao ministério ordenado. A comunidade, por meio de sua administração (Junta Paroquial), deverá – seguindo as regras canônicas – prover uma série de documentos pessoais de quem solicita, e recomendá-lo(a) ao bispo(a) para o Ministério Ordenado.
Na IEAB, todo ministério é exercido em co-responsabilidade, ou seja, as decisões são partilhadas, consultadas coletivamente, a fim de que se chegue ao melhor consenso, quando a unanimidade não é possível. Por isso, o(a) bispo(a) que receber tal encaminhamento da comunidade, não decidirá sobre o tema exclusivamente, senão, partilhará da alegria deste momento com um grupo de clérigos(as) e pessoas do laicato que compõem uma comissão especial nas dioceses. Esta comissão (Comissão de Ministérios) deverá conhece-lo(a) pessoalmente, entrevistá-lo(a), assegurar que sua documentação está completa, e, fundamentalmente, discernir sobre o futuro de sua vocação. Estando tudo em ordem, a comissão recomendará ao bispo(a) o acolhimento do(a) aspirante ao quadro de postulante às ordens. O(a) bispo(a), ouvido o parecer favorável da comissão, encaminha a solicitação para o conselho diocesano e só após a homologação por parte do conselho diocesano que o bispo publicará a toda a Igreja Diocesana do recebimento de novo(a) postulante. Além disso, deverá encaminhá-lo(a) a um programa de estudos teológicos e estágio pastoral.

Mas eu já fiz seminário. Preciso fazer de novo?

Muitas pessoas que desejam exercer o ministério, acabaram por iniciativa própria, ou pelo ministério exercido anteriormente, realizaram curso teológico. Nestes casos, a Comissão de Ministério irá avaliar o histórico escolar do(a) aspirante, e, recomendar o melhor programa de estudos. Na maioria das vezes, se um bom curso teológico foi realizado antes, será necessário tão somente um programa de complementação em estudos anglicanos (liturgia anglicana, cânones, teologia anglicana, história do anglicanismo, etc.) que é ministrado via EaD pelo Centro de Estudos Anglicanos. Além disso, é praxe que o(a) candidato(a) também participe dos encontros de formação teológica em nível diocesano (cada diocese tem seu próprio cronograma) e os da área provincial. Este processo, se realizado com o rigor que a disciplina de estudos exige, pode ser concluído em até dois anos. Este tempo de estudos segue também de um tempo de estágio.

Mas como é realizado este estágio?

Isso dependerá muito de sua realidade eclesial, pessoal e diocesana. É o conjunto dessas circunstâncias que define um bom programa de estágio para você. O objetivo do estágio é de que conheça outras comunidades em suas peculiaridades, a fim de “sair da zona de conforto” que representa nossa comunidade de origem. O estágio visa o ampliamento de nosso conhecimento da Igreja-Diocesana, da diversidade da experiência anglicana, e do exercício de dons diferentes em comunidades que exigem que desenvolvamos outras virtudes. Este estágio poderá variar em seu tempo de cumprimento, e é realizado concomitantemente com seu programa de estudos teológicos.

Mas e se eu não fiz nenhum seminário anteriormente, como que é?

Neste caso, a diocese irá encaminhá-lo(a) para um programa de formação básica em Teologia em um seminário, faculdade ou universidade com um curso reconhecido pelo MEC. Os cursos de graduação em Teologia, em geral, são de 4 (quatro) anos. Caberá à diocese autorizar ou não, a realização de um curso de Teologia via EaD. Em casos em que o postulante reside em lugar que não há instituição de ensino próxima, esta modalidade pode ser uma boa opção, ou mesmo em casos em que a pessoa candidata é suporte financeiro da família, e não tem como planejar-se para um programa de estudos presencial, também pode ser uma boa alternativa, mas estes casos são analisados um a um pela Comissão de Ministérios em conformidade com o(a) bispo(a).

Mas eu devo pagar esta formação?

Em geral, nossas dioceses disponibilizam tais recursos para que você tenha sua formação. A igreja oferta momentos diocesanos de formação, encontros em área provincial para formação teológica, o curso de Imersão em Anglicanismo e o próprio seminário. Esse investimento não significa que o(a) candidato(a) postulante às sagradas ordens terá garantia de sua ordenação. O custeio da formação não garante a ninguém sua ordenação. A ordenação é fruto do envolvimento e engajamento da pessoa vocacionada com a vida da igreja, é resultado do desempenho acadêmico da pessoa vocacionada, e, fundamentalmente, é resultado do processo universal de discernimento sobre o “chamado” vocacional desta pessoa, pois como dissemos, todo ministério é um dom da igreja, é legitimado e delegado pela igreja, por isso, a igreja, através de suas instâncias, discernirá sobre o grau de maturidade e preparo de cada pessoa candidata.

Em meu caso, já fui ordenado na Igreja Católica (ou Ortodoxa). Como devo proceder?

O lugar de partida é o mesmo para todos e todas: a comunidade. Envolver-se em uma comunidade anglicana ajudará a própria pessoa a discernir seu desejo no exercício da vocação na família anglicana. Ainda que tais igrejas gozem de muito em comum, há muitas peculiaridades e distanciamentos entre nós, sejam teológicos, doutrinários, litúrgicos ou morais. A experiência do exercício do ministério ordenado, para uma pessoa que recebeu as ordens em uma igreja de outra tradição, deve ser de desejo de aprendizado ou de esvaziamento, ou seja, ser um padre romano ou ortodoxo não é sinônimo de que o ministério ordenado anglicano seja idêntico, similar ou “parecido”. Absolutamente, não! São experiências (tradições) diferentes, que divergem em muitos campos, e você precisa estar disposto a aprender novamente. “Mas eu já tenho até doutorado em Teologia!” Na igreja anglicana isso não significa nada em favor de seu reconhecimento de ordens. “Mas eu fui ordenado pelo Cardeal Famosão da Silva!” Também não significa na-da. São os seus passos na comunidade anglicana, em desejo humilde e sincero de aprender, conhecer e praticar o cristianismo conforme o jeito anglicano de ser, que serão fundamentais para a recepção das ordens. Em termos canônicos, esse tempo de discernimento até a recepção das ordens dura 4 (quatro) anos.
Finalmente, é importante lembrar que na IEAB não há qualquer distinção de gênero para o exercício do ministério. Também não há qualquer dispositivo de controle do corpo para o exercício do ministério, sendo facultado a pessoa o celibato, a família ou nenhum de ambos. Também não realizamos votos de pobreza, pois todo trabalhador é pobre por natureza, pois não possui os meios de produção nem riqueza acumulada. Além disso, a grande maioria do clero tem outra ocupação profissional, não dependendo exclusivamente dos recursos das comunidades. O exercício do ministério ordenado de dedicação exclusiva tem sido cada vez mais difícil de se sustentar, mas também não é um impedimento para quem assim o deseje. Se você pensa em ser rico ou famoso, certamente esta não é uma boa opção para você! 
Desejamos, de coração, que possas somar-se a nós na tarefa missionária dos discípulos e discípulas de Cristo!
Esse texto é uma gentil contribuição do Revdo. Dr. Josué Flores, pároco da Paróquia Anglicana de Todos os Santos,
na Diocese Anglicana de
São Paulo, da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil.