Textos e comentários para a Semana dos Povos Indígenas: confira e compartilhe
15 DE ABRIL – DIREITOS CONSTITUCIONAIS
“A misericórdia e a verdade se encontraram; a justiça e a paz se beijaram. A verdade brotará da terra, e a justiça olhará desde os céus.” (Salmo 85.10-11)
Na Igreja Episcopal Anglicana do Brasil caminhamos em solidariedade junto aos povos indígenas do Brasil há muitos anos. A nossa caminhada solidária parte de um profundo respeito aos seus direitos ancestrais nestas terras. As centenas de povos que ainda resistem à invasão colonialista, à apropriação da terras ancestrais, à exploração e destruição dos ecossistemas onde desenvolveram sua cultura, seus saberes, e tiraram sua subsistência por milênios, sofreram, por parte do sistema do lucro e exploração implantado em seus territórios um processo de genocídio permanente, o apagamento de suas culturas e religiosidades e a imposição de um sistema religioso que reforça a perda constante destes direitos ancestrais e a integração forçada à sociedade dominante.
Neste sentido, em alguns lugares caminhamos com pessoas e povos que não tem vínculo eclesiástico conosco em profundo sentido de fraternidade humano-divina. Em outros lugares, onde pessoas e povos assim o desejarem há uma integração que, por sua vez, aprende novas formas de viver o ethos anglicano a partir de seus saberes ancestrais.
A Comissão de Incidência Pública, Direitos Humanos e Combate ao Racismo, com assessoria de nossa irmã antropóloga Isabel Desana, elaborou este material onde, a partir de nossa inspiração cristã e anglicana, reforçamos nosso compromisso com a luta pelos direitos constitucionais, humanos e ancestrais desses povos.
Este versículo inicial do Salmo 85, expressa o sonho de um povo que foi escravizado, dominado por diversos impérios, que espera que o Deus Libertador lhe permita chegar a esse tempo onde a justiça e a paz, muito mais do que “valores”, sejam atitudes que se encontram na amorosidade do beijo! Onde a “verdade”, muito mais do que um conhecimento único e dominante, é, como toda a vida, algo que “brota da terra”, onde a justiça, mencionada por segunda vez, como o olhar da própria divindade criador, “olha do céu”.
Caminhar com os povos indígenas e todos os povos originários, é reencontrar nossa fé que emerge das vítimas dos sistemas opressores, que proclama a vitória de Jesus, perseguido, torturado e assassinado – assim como estes povos têm sido – que Ressuscita para nos assegurar a vitória final sobre todas as formas de destruição e morte.
16 DE ABRIL – DIREITO DE ACESSO À EDUCAÇÃO FORMAL
“Naquele tempo, respondendo Jesus, disse: Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, que ocultaste estas coisas aos sábios e entendidos, e as revelaste aos pequeninos.” (Mateus 11.25)
Os Povos Indígenas têm seus conhecimentos ancestrais que devem ser respeitados pelo sistema educativo brasileiro, o que já acontece, mesmo que não tanto quanto seria adequado, nas escolas indígenas. Há também pessoas indígenas participando da educação de nível superior, o que melhorou a partir da política de cotas que fez com que se reservassem vagas para pessoas destes povos nas universidades públicas. No entanto, nem sempre as universidades têm sido lugares suficientemente acolhedores para os conhecimentos e saberes indígenas, nem tem dado as condições necessárias para que as pessoas indígenas estudem no ambiente universitário.
Para nós, pessoas indígenas cristãs e não indígenas solidárias, não é possível construir conhecimentos capazes de nos libertar das mazelas que tanto mal fizeram a estes povos, se, como nos testifica o Evangelho as coisas que o saber da dominação e da exploração não conseguiu alcançar seja partilhado através da participação dos povos indígenas e demais povos originários nos nossos sistemas educativos.
17 DE ABRIL – DIREITO À SAÚDE
“O ladrão não vem senão a roubar, a matar, e a destruir; eu vim para que tenham vida, e a tenham com abundância.” (João 10.10)
Da mesma forma que aparece nesta denúncia da comunidade do Evangelho segundo João, a saúde dos povos indígenas foi roubada por doenças trazidas pelos colonizadores, algumas implantadas com o objetivo de dizimar povos inteiros, e outras doenças que são fruto da exploração criminosa e genocida das terras indígenas. Também registram-se diversas formas de abuso contra estes povos, através de agrotóxicos colocados ao redor dos seus territórios ou nos rios que por ali passam, o abuso sexual contra mulheres e meninas, e a exploração do trabalho de pessoas destes povos.
O exercício do Direito à Saúde passa, em um primeiro momento, por preservar os saberes ancestrais terapêuticos destes povos de forma integrada e harmônica com o conhecimento científico que tem permitido o controle e até erradicação de enfermidades e a superação de outros males que atingem a população mundial.
Saúde é, conforme nos ensinam os povos indígenas, o “bem viver” ou como coloca este texto bíblico “vida em abundância”. Os Povos Indígenas conheceram esta vida abundante antes do processo de colonização e o genocídio que lhe seguiu. Nossa convicção é que o respeito aos direitos ancestrais, especialmente sua territorialidade, é essencial para assegurar o Direito à Saúde dos Povos Indígenas. Também, como em parte tem sido feito, criar dentro do Sistema Único de Saúde, espaços e mecanismos, com participação de profissionais indígenas, com condições de construir junto aos povos e comunidades indígenas ações efetivas que garantam o direito à saúde como direito à vida.
18 DE ABRIL – DIREITO À TERRA
“E formou o Javé Deus o ser humano do pó da terra, e soprou em suas narinas o fôlego da vida; e o ser humano foi feito alma vivente.” (Gênesis 2.7)
Esta divindade “Javé” é o Deus que age e está junto do seu povo, depois, em Cristo, chamada “Emanuel” (Deus-conosco, cf. Is 7.14;8.8 e Mt 1.23). Esta divindade age através da terra, vista por todos os povos indígenas como mãe-terra. O ser humano é da terra, a terra constitui o elemento essencial da humanidade e dos povos que onde as pessoas humanas vivem e se organizam. O território não é apenas uma extensão de terra, mas é o lugar onde a identidade de cada povo indígena se constitui. Sem território o povo indígena desaparece, seja por não ter condições de sobrevivência, seja por perder sua identidade. Pessoas indígenas que vivem em meios urbanos, distintos dos seus territórios originais, dependem da referência desses territórios para manter sua identidade. O direito à terra ou território indígena é o direito ancestral por excelência.
Garantir o direito ao território não é apenas cercar a terra, mas dar condições de que nessa terra os povos possam desenvolver sua vida em todos os aspectos sem a intervenção violenta ou impositiva de agentes que buscam manipular suas vidas ou vontades em função de outros interesses: econômicos, políticos ou religiosos.
19 DE ABRIL – AS VOZES DOS POVOS INDÍGENAS QUE NOS DESAFIAM
“E Deus limpará de seus olhos toda a lágrima; e não haverá mais morte, nem pranto, nem clamor, nem dor; porque já as primeiras coisas são passadas.” (Apocalipse 21.4)
O livro de Apocalipse é uma grande liturgia – trabalho do povo – de resistência diante da mais cruel perseguição sofrida pelas comunidades cristãs nos tempos do Império Romano. Assim como antes, emerge o sonho de Deus, de um tempo onde as lágrimas vertidas pelas muitas vidas ceifadas pela crueldade e a violência possam cessar.
Os Povos Indígenas, desde o início da colonização, têm derramado lágrimas. Todos os anos há lideranças indígenas sendo assassinadas por reivindicarem seus direitos. A falta de garantia destes direitos leva morte e sofrimento a todos os povos indígenas. Mas, como pessoas cristãs, pelo amor de Cristo, sua Cruz e Ressurreição, acreditamos nesse tempo em que não haverá mais lágrimas, e ao ouvirmos estas palavras as acolhemos como aprendizado e desafio, rumo ao horizonte da vida plena para todas as pessoas e a vida em harmonia com toda a criação.