Manifesto de Apoio ao Projeto de Lei por uma Jornada de Trabalho digna para todas as pessoas trabalhadoras
“Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos.”
Mateus 5.6
A Comissão de Incidência Pública, Direitos Humanos e Combate ao Racismo da Episcopal da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, à luz do debate público acerca da proposta de Emenda à Constituição de autoria da Deputada Érica Hilton, a qual visa reformular o sistema de limitação de jornada de trabalho no Brasil (para impedir a utilização da jornada 6×1, isto é, seis dias de trabalho por um dia de folga remunerada por semana), vem apresentar sua visão pastoral sobre o tema:
Reconhecemos a relevância social do trabalho humano, em especial no contexto de uma sociedade plural, porém, marcada por profundas desigualdades sociais como a brasileira. Pode-se dizer a atividade laborativa remunerada é, no âmbito do Brasil contemporâneo, “compulsória”, isto é, absolutamente necessária para que seja possível alcançar os meios necessários à subsistência pessoal e dos núcleos familiares com dignidade.
Reconhecemos, por outro lado, que o predominante sistema produtivo, e, econômico, tem uma evidente predileção pelo lucro em detrimento da melhoria das condições sociais. Dito de outra forma: há um marcado conflito de interesses entre os anseios por melhores condições sociais da classe trabalhadora, e, do outro, a aspiração pela maximização dos lucros daquelas pessoas que controlam os meios de produção.
Lembramos que em nossa fé cristã temos o descanso como um dom de Deus, estabelecido como princípio criador e criativo, divino e humano (Gênesis 2.2-3). Após a libertação da escravidão do Egito, onde o trabalho se tornou opressivo, reafirmou este princípio nos mandamentos (Êxodo 20.8-10). Nos Evangelhos encontramos parábolas como da contratação dos trabalhadores, onde, como princípio da justiça do Reino de Deus todas as pessoas que trabalharam ganharam o mesmo salário, independente das horas trabalhadas, colocando a justa remuneração acima do tempo trabalhado (Mateus 21.1-16).
Neste contexto, entendemos que o trabalho humano é fruto do exercício dos dons da personalidade de todas as pessoas que dependem da sua força de trabalho para viver uma vida digna, e, por conseguinte, não pode ser tratado como mercadoria. Seres humanos não são objetos, nem meros meios para atender os interesses de quem detém o poder (econômico ou de qualquer outra natureza). As pessoas humanas são iguais em dignidade diante de Deus em Cristo (Gálatas 3.28). Não admitimos, portanto, à luz dos preceitos bíblicos e teológicos preconizados por nossa Igreja, que se objetifique as pessoas, sendo obrigadas a renunciar a sua saúde, a sua dignidade, e a vida plena para poder garantir seu sustento e da sua família.
Jornadas de trabalho que permitam um melhor equilíbrio entre as atividades laborativas e vida pessoal, são sempre desejáveis. A convivência familiar, o usufruto de horas de lazer, as atividades de integração social, os momentos de espiritualidade, e, também a dedicação aos estudos, são aspectos da vida humana tão importantes quanto o livre exercício de uma profissão. Por isso, também merecem a atenção da sociedade e a proteção da lei.
Instamos, portanto, todas as pessoas a se mobilizarem no exercício da sua cidadania, na igreja e demais organizações sociais, a fazer valer o direito ao trabalho digno para todas as pessoas, e, a todas às pessoas ocupantes de mandatos legislativos para que cumpram seu papel social, sempre com os olhos voltados para as oportunidades de melhoria das condições sociais para todas.
Comissão de Incidência Pública, Direitos Humanos e Combate ao Racismo Dezembro de 2024